20070909

Maria Rodrigues

Maria Rodrigues era uma rapariga que até dava gosto vê-la estudar. O método, o entusiasmo e o trato que dava aos livros faziam dela uma aluna distinta e davam-lhe augúrio, na boca dos adivinhos próximos, a um futuro de brilhos e sucessos.
As ciências naturais tocavam quase sempre o vinte e, tocada por uma tia professora que lhe fomentara o gosto pela escola, Maria construíra muita nova a sua vocação: professora de Biologia seria porque juntava as suas duas paixões. O pai, pequeno agricultor, investiu na coimbra da sua dependente, os pés de meia que tanta falta lhe faziam ao custo das sementes, mas tinha de ser, “a gente faz tudo por uma filha!”
Pelo caminho desses verdes anos, sabido chefe de família, tentara muitas vezes o conselho:
- Maria, isso de professora não é pró teu talento, tu devias seguir agronomia, desenvolver as pegadas da família, quando eu morrer o que será das nossas terras? Olha que isto ainda vai dar, um país sem agricultura não existe, vai pelo velho!
- Nem pensar, então o paizinho acha que ensinar é reserva de limitados seres? Com quem é que acha que eu tenho aprendido? Serei professora sim! Serei professora daquilo que tanto gosto: Bi-o-lo-gi-a!
Claro que estes desentendimentos nunca perturbaram a harmonia da família e temos professora Maria Rodrigues, faz meia dúzia de anos e outras tantas escolas pelo meio.
Só que nos últimos tempos a coisa tem piado torto e a desilusão apoderou-se do destino de Maria, para agravar ainda mais o desencanto, o desemprego bateu-lhe à porta num dia impiedoso de Setembro.
O pai, esgotado em investimentos foi, de subsídio em subsídio, até à falência final. As terras ao abandono.
- Este país já quase não existe!... Avisei-te Maria! Professora?! …
- Pai! Agricultura?! Olha a tua seara!? Este país já quase não existe!...
- Ouviste a ministra Maria!? O número de alunos diminuiu, ninguém procria! Este país já quase não existe!...
- Mentira pai! Essa é para opinião pública engolir! Os meus colegas é que foram forçados a dar mais aulas, aumentaram o número de alunos por turma, etc. etc.
Sente ao menos pai, a frieza com que essa mulher se refere às escolas, vê a espuma que lhe verte no canto dos lábios cada vez que pronúncia a palavra “professores”, repara na arrogância com que comenta o desemprego… É pai, é o fim dum sonho, este país já quase não existe porque está a lançar para o abismo a sua educação! Existe apenas o país dos políticos e da sua televisão.

Maria contou-me estes pedaços de conversa que se trocavam lá por casa num encontro passageiro nas cadeiras de espera do registo civil.
- Casar? Nem penses, só conheço professores! Não, estou aqui para tratar dos papéis necessários para mudar de nome!...

1 comentário:

Anónimo disse...

Real ... "a frieza com que essa mulher se refere às escolas, vê a espuma que lhe verte no canto dos lábios cada vez que pronúncia a palavra “professores”, repara na arrogância com que comenta o desemprego…" ... É realmente o fim do sonho, da carreira e da perspectiva de uma boa vida para muita gente. É sentir que se poderia dar muito (dar mesmo, não vender) em termos pessoais, culturais e até artísticos e que ... já não se pode dar grande coisa ... Como é possível?
Abraço, João!