20080208

Comissão de Defesa da Escola Pública: parecer enviado para o ME em período de consulta pública


Não haverá Escola pública revigorada

sem o restabelecimento da sua vida democrática

O Governo prepara-se para decretar, à margem da Assembleia da República, uma nova forma de gestão para os jardins-de-infância e os ensinos básico e secundário, com as seguintes grandes linhas orientadoras:

- o actual Conselho Executivo é transformado num órgão unipessoal, com plenos poderes para gerir toda a vida da escola, contratar grande parte dos seus trabalhadores – docentes e discentes – bem como ter a última palavra na avaliação dos mesmos;

- este órgão unipessoal é assumido por um professor, que pode pertencer ou não à escola a que se candidata como gestor e que será eleito num Conselho de Escola composto por vinte membros , entre os quais : professores, auxiliares de acção educativa, encarregados de educação, autarcas e personalidades importantes da zona ou região, nomeadamente ligadas ao poder económico;

- o Conselho de Escola é responsável, também, por definir as políticas educativas da escola;

- o Conselho Pedagógico vê reduzido drasticamente o número dos seus membros, com a divisão em quatro departamentos, cujos coordenadores serão responsáveis por fazer executar aos colegas – que eles próprios representam e avaliam – as decisões do Director Executivo; esvaziando-o assim, na prática, dos poderes que ainda actualmente poderia, pelo menos teoricamente, utilizar.

A filosofia desta gestão, semelhante à de uma qualquer empresa, subordina os critérios pedagógicos ao primado dos critérios administrativos, e faz a inversão total das regras de gestão democrática e cooperativa, impondo uma gestão assente no cumprimento de ordens, veiculadas de cima para baixo, despidas de qualquer laivo de participação ou envolvimento responsável de quem tem que cumpri-las.

O contexto em que surge este projecto de Decreto-lei

O novo modelo de gestão, que o Ministério da Educação pretende agora implementar, é apresentado numa situação em que os docentes, de todos os graus de ensino, estão a ser alvo da maior ofensiva, desde o 25 de Abril de 1974.

Professores e educadores dos ensinos básico e secundário vêem-se confrontados com a aplicação de um Estatuto que os divide em categorias, com uma avaliação de carácter punitivo, estranguladora de uma normal progressão na sua carreira profissional, obrigados a cumprir tarefas e horários que os impedem de um verdadeiro trabalho pedagógico - a sua função .

A Comissão de Defesa da Escola Pública, defensora de uma escola pública laica e de qualidade, sempre afirmou que os professores constituem a pedra angular do sistema de ensino, e, que arrasar a sua vida profissional, desmoralizá-los, rebaixá-los perante a sociedade e os seus alunos, é destruir essa pedra angular da escola pública, é destruir um dos alicerces imprescindíveis da civilização e da democracia, com consequências inimagináveis num futuro que não será longínquo.

É neste contexto que se tornou possível encerrar milhares de escolas, despedir dezenas de milhar de professores, deixar sem a resposta adequada dezenas de milhar de crianças com necessidades educativas especiais, transformar disciplinas constantes do Programa nacional em actividades de carácter facultativo, reduzir o horário de disciplinas nucleares e os conteúdos programático de outras, ou desvalorizá-las (de que são exemplos a Filosofia e o Português).

Foi com medidas destas – neste sector, como nos outros sectores sociais – que o Governo tem conseguido baixar o défice do Orçamento do Estado, de acordo com as exigências da União Europeia.

É necessário dizê-lo: tal ofensiva contra os professores e o ensino – concretizada pelo actual Governo – só foi possível porque se encadeou nos processos já iniciados e desenvolvidos pelos governos anteriores, em particular o modelo de gestão decorrente do Dec.-lei 115-A, de 1998. Foi com este decreto que foi quebrada a democracia directa nos jardins-de-infância e escolas do primeiro ciclo, assente nos Conselhos Escolares, e nos Conselhos Directivos emanados de Conselhos Pedagógicos no restante ensino básico e no secundário. Foi também com base neste decreto que foram constituídos os agrupamentos de escolas, cada um com o seu regulamento, geridos no quadro da pseudo-democracia emanada dos Conselhos Executivos.

Um passo qualitativo na destruição do Sistema Nacional de Ensino

Com o novo decreto o Ministério da educação vai ainda mais longe, criando condições para implementar a Escola municipal, dependente dos meios económicos da região em que estiver localizada, dos critérios políticos dos respectivos autarcas, bem como do nível social das famílias a que pertencerem os alunos.

São as condições para que não possa haver qualquer contestação à falta de recursos humanos e materiais, para que o trabalho pedagógico possa ser cada vez mais desfigurado, no quadro da prepotência/subserviência.

Este modelo de gestão jamais poderá ser o caminho para a Escola democrática, a Escola promotora da equidade na formação das jovens gerações.

Está na moda avançar argumentos, como é o caso da existência de “maus docentes”, para justificar os números de abandono e insucesso escolares. Mas, o Governo sabe que está a mistificar a realidade. Jamais foram levantadas como variáveis responsáveis por tais números de insucesso as crescentes dificuldades da população escolar, causadas por problemas e dificuldades familiares de toda a ordem, pelas dezenas de quilómetros a que ficam muitas das escolas, pela cultura dominante do facilitismo e pelas sucessivas contra-reformas que, desde há vinte anos, os sucessivos governos não têm parado de implementar.

Responsabilizar o conjunto dos professores pelo insucesso escolar, procurando rebaixar a classe docente para a castigar e desmoralizar, liquidar todas as formas de democracia na escola – ao mesmo tempo que se criam condições para a divisão de todos os intervenientes no processo educativo, dos autarcas aos encarregados de educação, lançando uns contra os outros – é destruir a força social e os meios democráticos que têm capacidade para começar a resolver os graves problemas do Ensino.

Neste sentido, a Comissão de Defesa da Escola Pública afirma que, para se começar a encontrar soluções capazes de responder a estes problemas que nos preocupam a todos, é necessária a retirada deste projecto de decreto sobre a gestão escolar e a revogação do Dec.-lei 115-A/98, para que sejam retomadas as formas de organização democráticas construídas pelos docentes e restantes trabalhadores do ensino, após o 25 de Abril, e liquidadas por força das orientações das instituições da União Europeia.

Será num quadro de ruptura com estas orientações, baseado em órgãos democráticos – construídos por profissionais livres e responsáveis – que será possível restabelecer a escola das equipas multidisciplinares, a funcionarem articuladas com as comunidades em que cada escola estiver inserida, e por aí mesmo começar a retirar a Escola pública da grave situação em que se encontra.

Algés, 7 de Fevereiro de 2008

A Comissão de Defesa da Escola Pública (CDEP)

A Comissão de Defesa da Escola Pública

A Comissão de Defesa da Escola Pública (CDEP), Democrática e de Qualidade, constituída a 28 de Maio de 2002, agrupa um conjunto de cidadãos, professores, educadores, auxiliares da acção educativa, pais e estudantes, unidos em torno do mesmo objectivo: defender uma Escola pública, democrática e de qualidade, como um espaço de liberdade e de crescimento, cuja finalidade central seja a formação do Homem e, só depois, do trabalhador.

Não pretendemos substituir-nos a qualquer organização, seja ela de carácter sindical, partidário ou associativo em geral, mas tão só contribuir para uma reflexão que dinamize os processos de defesa e de construção da Escola democrática e de qualidade.

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