20080917

ESTA É A VERDADE


«Um prémio para os campeões da propaganda

O governo em peso desdobrou-se por dezenas de escolas do país para distribuir diplomas e cheques de 500 euros aos melhores alunos. Chamou-lhe o "dia do diploma", com direito a decreto-lei. Teve o mérito de combinar numa só acção de propaganda o espírito conservador e a política neoliberal: um cheirinho a quadros de honra do tempo do fascismo e o triunfo do saber como mercadoria.
Este governo precisa da propaganda como do pão para a boca, e a fome vai aumentando à medida que as eleições vão ficando mais perto. E, mais do que em qualquer outra área, o governo sabe que precisa de inventar muito na Educação para apagar as críticas, a revolta, e a insatisfação geral que levou 100 mil professores à rua, os profissionais que todos os estudos dão como dos mais respeitados pela população portuguesa.
E assim toca a preparar o início do ano lectivo. Com o reforço da Acção Social Escolar que esconde um dos maiores aumentos dos preços dos manuais escolares e uma cobardia enorme em enfrentar as editoras para os tornar completamente gratuitos através de bolsas de empréstimo existentes nas escolas. Mas principalmente com a propaganda do sucesso escolar, atirando para o ar as estatísticas convenientes. O governo sabe, os professores sabem, e os alunos e os pais também: o ministério da educação dá ordens para não chumbar alunos, mesmo que não saibam o suficiente. Um esquerda a sério combate o insucesso escolar através de equipas de psicólogos, professores e assistentes sociais, acarinhando o ensino especial, reduzindo o número de alunos por turma e o número de turmas por professor, e dispondo as escolas de todos os meios humanos e materias necessários para evitar o florescimento das explicações privadas à custa do insucesso da escola pública. Uma esquerda a sério não faz cosmética com assuntos sérios. Nem encara os 40 mil professores no desemprego como inúteis, no país com a segunda maior taxa de abandono escolar precoce da Europa. Nem desiste de alargar a escolaridade obrigatória em nome dos mais pobres que têm é que ir trabalhar para sustentar os pais. Nem olha para o ensino como uma mercadoria, acenando com cenouras de 500 euros (a este respeito leia a opinião de Sérgio Niza), ao mesmo tempo que assobia alegremente para o lado no ano em que todos os estabelecimentos de ensino superior, excepto quatro, fixaram a propina máxima. Que se habituem estes jovens vencedores: o cheque de 500 euros não dá para pagar as propinas na universidade mas tem o condão de os familiarizar com os primeiros cheques da sua vida activa, ou não fosse este governo tão amigo do trabalho temporário.E, apesar da propaganda, a Educação é talvez o sector em que a orientação do governo mais se faz notar. A cultura da tecnocracia, da burocracia ao serviço do neoliberalismo, é a matriz desta política. A escola e a universidade (esta com a reforma de Bolonha e com as fundações de direito privado) estão ao serviço do mercado e das empresas. E, para fechar o círculo, a escola deve funcionar como uma empresa, daí as novas regras de gestão que impõem um director e acabam com essa coisa da democracia que só serve para empatar resultados. Os seus trabalhadores, os professores, são cada vez mais uma mão de obra proletarizada e afundada na papelada das avaliações e dos decretos-lei, mergulhados na confusão das grelhas e sem tempo preparar e melhorar as suas aulas, qual fábrica automática. Os alunos, ao mesmo tempo clientes e produto final, servem sempre o sistema. Os mais pobres ou com mais insucesso mandam-se para os cursos profissionais para rapidamente alimentarem o mercado. Os que se vão safando vão para as universidades cada vez mais domesticadas e dependentes das empresas. Restam, claro, os milhares que também cumprem a sua função ao alimentarem a bolsa de desempregados, tão útil aos patrões que assim chantageam nos salários.A propaganda quentinha deste governo não consegue esconder a frieza da sua política. Acabaram-se as ilusões e enterra-se de uma vez o projecto da escola emancipatória. Se não o podes vencer, junta-te ao sistema e contribui para oleá-lo.»
Texto de opinião de Miguel Reis publicado AQUI

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