20080902

Inferno - Walter Lemos

Por João Pereira Coutinho
"Nem sempre concordei com Valter Lemos. Mas é justo reconhecer o esforço do cavalheiro na luta perpétua contra o insucesso escolar. Na passada semana, o "Expresso" noticiou o caso de Luís, 15 anos, que passou para o 7.º com oito negativas e uma positiva (a Educação Física). Razão tinha o outro: quem não sabe fazer nada, estuda; quem não sabe estudar, estuda Educação Física. Mas o Secretário de Estado não se atemoriza com este cenário: diz Valter Lemos que, perante a desgraça dos nossos números internacionais, reprovar o Luís seria enxotá-lo para fora do sistema e entregá-lo a uma vida de marginalidade. Enquanto o Luís andar na escola, ele pode não saber ler, escrever, contar, falar ou pensar. Mas, pelo menos, não anda por aí a envergonhar o governo nas estatísticas internacionais. Nem a roubar. Nem a matar.

A lógica é impoluta e inaugura um novo capítulo na frondosa educação nacional: para evitar que as nossas crianças se dediquem ao crime, é o Estado que comete um crime sobre elas, sequestrando-as dentro dos portões escolares. E se elas dão provas de brutal ignorância nas matérias da praxe, isso não basta para as reprovar. As escolas podem sempre esgrimir os inevitáveis despachos normativos "especiais" garantindo passagens sucessivas a troco de permanência física. No caso do Luís, a permanência num curso de educação-formação. Caso o Luís falhe neste curso, é provável que o levem a Fátima. Ou, por deferência homónima à ministra, a Lurdes. Mas sair do sistema está fora de questão.

Eu, por mim, não me oponho; mas às vezes pergunto se esta mentalidade prisional não acabou também por contaminar o próprio Ministério da Educação. Que o mesmo é dizer: aprisionando Valter Lemos à 5 de Outubro, apesar de todas as evidências que aconselhavam à sua libertação. Mas talvez o eng. Sócrates tenha as suas razões para prolongar o cativeiro do Secretário de Estado: entre arruinar o ensino ou arruinar o nosso Valter, entregando-o a uma vida de errância fora dos gabinetes ministeriais, o ensino pátrio, pelo menos, já há muito que estava arruinado.(...)" (João Pereira Coutinho, Expresso, 1 de Setembro)

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