20081226

A indisciplina escolar ou como a escola capitalista gera reacções espontâneas e inconscientes de rejeição pelos jovens estudantes

O sucesso na escola capitalista massificada, segundo as actuais políticas educativas prosseguidas pelos Estados, na era do capitalismo desorganizado que é próprio da globalização mercantil neoliberal


NOTA PRÉVIA:

Apesar de não estar inteiramente de acordo com este tipo de abordagem, aparentemente não-ideologizada de Desidério Murcho, da escola e da indisciplina escolar, considero o texto que se reproduz abaixo, com a devida vénia, um bom ponto de partida para uma reflexão e análise dos problemas ligados à indisciplina escolar e à realidade massificadora da actual escola capitalista. Esta já deixou de formar as élites e os trabalhadores qualificados, como acontecia anteriormente, passando a assumir-se fundamentalmente com funções de controle social e de tutela da juventude ( de almofada social) com a desculpa ou o pretexto de estar a garantir o direito a todos à cultura e ao ensino, quando o que realmente oferece é a domestificação dos corpos, a massificação embrutecedora de telespectadores passivos e de consumidores obedientes às mensagens dos aparelhos comerciais, enfim, à proletarização de professores e alunos segundo o padrão, já não do capitalismo do fordismo industrial, mas do capitalismo cognitivo, onde o importante é a reprodução acéfala de competências cognitivas, e a eliminação do desejo por uma educação integral, com espírito crítico de indivíduos livres, criativos e soberanos. (Nota prévia de Viriato Porto)


Reproduz-se a seguir a crónica de Desidério Murcho da passada terça-feira sob o título« Falta de educação?»


A indisciplina é um dos problemas com que se debatem alguns professores do ensino secundário. Contudo, nem sempre se compreende que um dos factores que explicam alguns casos de indisciplina é a desvalorização da escola. É interessante comparar o comportamento de um mesmo estudante na escola e num clube de futebol, por exemplo. O mesmo estudante que na escola é mal-educado, falsamente rebelde e uma dor de cabeça para os professores, é um aprendiz normal no clube de futebol, dedicando-se com afinco a aprender o seu desporto favorito. E no clube de futebol as regras de comportamento podem até ser mais rígidas do que na escola.

A diferença é que o valor do futebol é para esse estudante óbvio, ao passo que vê a escola como uma imposição sem sentido. A menos que a escola seja valorizada no seu meio familiar, o estudante vê as aulas e o estudo como uma tolice que tem burocraticamente de cumprir antes de ir à vida que a morte é certa.

Ora, nada tem sido feito por parte dos responsáveis educativos para tornar óbvio o valor do estudo, dos livros e da escola a quem não aprende em casa a valorizar essas coisas. Pelo contrário: ao obrigar cada vez mais os professores a fazer as vezes de dinamizadores culturais, para não dizer palhaços, retirando da escola a sua dignidade própria e tentando transformá-la em entretenimento mentecapto, os responsáveis educativos pioraram a situação. Pois quando se encara a escola desta maneira é porque se pensa que a física, a matemática, a geografia, a história, a literatura ou a filosofia não são realmente interessantes.

O oposto desta atitude é a conversa dos senhores de olhar severo que usam palavras caras na televisão para repetir sem quaisquer argumentos que essas são as coisas mais importantes do mundo, para toda a gente. Acontece que isto é uma mentira. A maior parte da humanidade nunca teve o mínimo interesse em física, matemática, história ou filosofia, e vive bem assim. Tal como a maior parte da humanidade nunca teve o mínimo interesse em saber fazer pão, saber fazer electricidade ou saber curar uma perna partida. Pessoas diferentes interessam-se por coisas diferentes.

Para a escola ser respeitada por estudantes e pais não precisamos de pregar a mentira evidente de que a matemática ou a história interessam a toda a humanidade. Tal como o estudante que aprende futebol não pensa com certeza que aquilo é a coisa mais importante do mundo; basta-lhe que seja interessante para ele, e que sinta ter talento para isso. Esta é a atitude que temos de ter na escola. A filosofia, a música erudita ou a matemática não são as coisas mais importantes do mundo. São apenas importantes para algumas pessoas. Mas para sabermos se somos uma dessas pessoas, temos de passar pela escola e estudar essas coisas da melhor maneira possível. Se não o fizermos, não saberemos se realmente nos interessa ou não. O papel da escola universal é dar a todos os estudantes esta oportunidade única, sobretudo aos que não a têm em casa.

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