20090122

OI’s, ou de como não ter a noção do ridículo

Se o(s) autor(es) da enormidade que é o modelo de ADD, mais os respectivos remendos simplex, fossem avaliados pelo trabalho que desenvolveram, não me resta a menor dúvida que além de um despedimento sumário com justa causa ainda deviam ser obrigados a repor todas as remunerações recebidas enquanto produziram este(s) aborto(s) legislativo(s).

A insistência na auto-fixação de objectivos individuais por parte dos professores avaliados, é um dos aspectos mais ridículos de todo o processo desenhado por umas mentes não brilhantes (eventualmente obnubiladas por substâncias pouco recomendáveis).

noutra entrada classifiquei como ridícula a ideia de os professores preencheram uma ficha com OI’s, porque os textos que aí serão registados serão necessariamente ridículos.

Perdoar-me-ão os leitores habituais, mas para poder demonstrar o ridículo a que se submeterão os colaboradores na farsa terei que me alongar um pouco neste post. Vejamos então de que falo, quando acuso de ridícula a ideia de preencher uma ficha de OI’s com frases ridículas e que apenas servem para fingir que se coopera com o poder:

  • O DR 1-A/2009, no art. 3º n.º 2 determina que a intervenção dos coordenadores avaliadores está limitada ao pedido expresso do avaliado, e apenas se este quiser ter aulas assistidas;
  • No art. 5º n.º 2 determina que a proposta dos OI’s seja exclusivamente entregue ao órgão de gestão, eliminando do processo os restantes avaliadores;
  • No art. 8º n.º 2 esclarece que quando o avaliado não requeira a observação de aulas «a classificação final da sua avaliação corresponde apenas à classificação obtida na ficha de avaliação preenchida pela direcção executiva, expressa nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do DR 2/2008»;
  • Quando se cruza a ficha de avaliação a preencher pelo órgão executivo com a ficha de OI’s que terá que ser preenchida para dar cumprimento ao n.º 1 do art. 5º do DR 1-A/2009, sabendo que a definição dos OI’s vai ser feita a cinco meses do final do 2º ano do ciclo avaliativo (Jan-Fev/2009) e o PCE terá que preencher a ficha de avaliação reportando-se a um período de dois anos (Set/2007 a Jul/2009), a dimensão do ridículo começa a concretizar-se.

Mas vejamos, ponto por ponto, o que poderá aparecer na tal fichinha ridícula, com textos ridículos, a que pomposamente se quer chamar “Objectivos Individuais”:

“Apoio à aprendizagem dos alunos”

  • Tenho visto de tudo. Desde pessoas que dizem «Pretendo apoiar todos os meus alunos, incluindo os que têm maiores dificuldades de aprendizagem», até outros que preferem um enunciado do tipo «Vou colaborar com o conselho de turma para promover as aprendizagens dos meus alunos, procurando obter maior sucesso».
  • Em primeiro lugar, qualquer destes enunciados é absolutamente redundante e decorre do simples facto de se ser professor e aceitar um horário lectivo em que nos são atribuídas turmas com alunos que estão na escola para aprender. Não dar apoio às aprendizagens ou não colaborar com o conselho de turma seria não cumprir um dever funcional.
  • Mas acontece que este item irá ser avaliado pelo PCE, que deverá pontuá-lo aferindo o “grau de cumprimento do serviço distribuído” e o respectivo “empenhamento”.
  • Daqui decorre que a fixação do OI deve referir-se também ao “empenhamento” com que o professor se propõe apoiar os seus alunos e colaborar com o respectivo CT.
  • Depois, como é natural, considerando que o PCE não é um ser omnipresente nem omnipotente, a atribuição de uma notação ao grau de empenhamento do professor terá que ser feita por uma de duas maneiras: i) a olhómetro, que como se sabe é um método muito eficaz e sobretudo muito justo de avaliar os desempenhos; ii) confiando no relato do próprio avaliado ou de terceiro(s) incerto(s), através do relatório de auto-avaliação que está previsto na legislação (embora não seja vinculativo), ou através de relatório(s) desse(s) terceiro(s) incerto(s), o que não está regulamentado.

“Participação nas estruturas de orientação educativa”

  • Relativamente a este item tenho constatado a repetição de um OI que por vezes é enunciado no item anterior «Vou colaborar com o conselho de turma para promover as aprendizagens dos meus alunos, procurando obter maior sucesso».
  • Não valerá a pena repetir o argumento de que esse é um dever funcional e que o seu incumprimento deveria ser punido, pelo que não me parece que possa ser enunciado como objectivo. Mas aqui também se deverá colocar a questão do grau de empenhamento, uma vez que o PCE deverá aferir em que medida o avaliado foi empenhado na sua participação nas estruturas.
  • Como é natural, o processo de registo e preenchimento da ficha de avaliação por parte do PCE obedecerá aos mesmos princípios: i) olhómetro; ii) fé nos relatórios que ler.

“Participação e dinamização de actividades”

  • Como é evidente este é um objectivo que não pode ser enunciado no final do período de avaliação. É que não basta enunciar o desejo de dinamizar ou participar em projectos e/ou actividades da escola, porque é necessário que os mesmos sejam aceites e aprovados pelos órgãos de gestão pedagógica e executiva.
  • É por isso que dizer coisas como «Pretendo participar em cinco (seis, sete, n, actividades do PAA/PCT)» além de ridículo é completamente absurdo, sobretudo quando o projecto educativo e o plano anual já estão aprovados há muito.
  • Claro que mais uma vez o método para avaliação do empenhamento na participação será um dos dois já anteriormente descritos para os outros itens, embora neste caso também seja relevante a quantidade de eventos em que o avaliado participa, seja como organizador/dinamizador, seja como colaborador ou assistente.

“Relação com a comunidade”

  • No caso deste item, não estando clarificado o conceito de comunidade, o campo de intervenção pode ser alargado até ao infinito: desde um âmbito mais restrito, ao nível das relações no interior dos CT’s e respectivos alunos e pais, até à comunidade educativa em sentido mais amplo e que pode abranger o conjunto de escolas do agrupamento, mais as populações dos bairros e freguesias em que as escolas estão inseridas, ou até mesmo as relações com o município e as forças vivas do concelho, haverá objectivos para todos os gostos.
  • O problema estará uma vez mais no grau de objectividade com que funcionará o olhómetro presidencial/reitoral, ou a fiabilidade dos relatos que chegam ao PCE/Director.

“Formação Contínua”

  • Este é um objectivo necessária e obrigatoriamente enunciado no pretérito, uma vez que não é possível que alguém se proponha fazer formação para a qual não esteja previamente inscrito(a).
  • A este facto acresce que o art. 6º do DR 1-A/2009 determina que «Para efeitos do disposto no presente decreto regulamentar e independentemente do ano em que tenham sido realizadas, são contabilizadas todas as acções de formação contínua acreditadas, desde que não tenham sido tomadas em consideração em anteriores avaliações.» Isto significa que em muitos casos o único enunciado possível seja: «Pretendo que me contabilizem os créditos das acções de formação que frequentei nos anos … conforme consta do meu processo individual»

Ora se isto é um Objectivo Individual, vou ali e já venho…

[Retirado e aprovado: Reflexões]

1 comentário:

Anónimo disse...

Este é um texto que eu própria tentei fazer, em termos diferentes, sobre a idiotia de escrever OI que estão escritos no ECD e nos Projectos Educativos e não o cheguei a publicar por o achar pouco satisfatório. Felizmente há quem saiba escrever melhor do que eu! :-)
Ou o funcionário cumpre com o que está estipulado ou repete o que é óbvio, chamando-lhe pomposamente Objectivos Individuais que de individual não tem nada. É só para dar o ar de que é democrático.

O meu texto começava assim:

O que são objectivos individuais? Objectivos propostos pelo trabalhador, individualmente, que terá, no entanto, de seguir a política estabelecida pela empresa/ instituição. No nosso caso o que o Projecto Educativo da Escola / Agrupamento e o ME se propõem. Um pouco contraditório não é?

Os meus deveres, enquanto professora,estão estipulados no Estatuto da Carreira Docente, artº 10º. Claro é o que eu e qualquer professor faz.

Ao abrigo da alínea g) do mesmo artigo devo “Contribuir para a reflexão sobre o trabalho realizado individual e colectivamente, agindo sempre de modo a contribuir para um ensino de qualidade” e até mesmo para “níveis de excelência”. Afinal podemos inclusivé utilizar as palavras da instituição que nos contrata. Temos igualmente o direito à participação e (artº 5º, alínea b) “O direito de emitir recomendações no âmbito da análise crítica do sistema educativo”;
Então tenho, moralmente, o direito de pugnar dentro da escola por uma escola melhor, não é?

Assim, julgo que o meu único objectivo individual, deverá ser “contribuir para a renovação da qualidade da escola pública e pela alteração de legislação que afecta negativamente o processo de ensino aprendizagem, afecta negativamente as relações dentro da escola entre todos os intervenientes do processo educativo e afecta negativamente o meu desempenho na escola e o desempenho dos meus alunos”.

Continuemos então a lutar.