Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades AvançadasQuerida Lola:
Sou professora de uma escola que está a ser alvo de uma experiência piloto do Sr. Valter Lemos. Não posso dizer o nome, porque tenho medo de ser posta na rua, mas com tanta publicidade na televisão, achei que era a altura de dar voz a esta minha horrível dor, que passo a contar... O ano passado, mais um grupo de amigas do chá da nossa escola, resolvemos concorrer, todas, a titulares, convencidas de que íamos para o alto de um poleiro ainda mais alto do que o anterior, sabe como é que isto connosco, as tias... Acontece que logo no início deste ano escolar, descobrimos que havia uma cláusula que falava de uma "ratio" limite titulares/alunos. Como a minha escola está situada numa zona muito despovoada, e como precisavam de uma titular para coordenar um departamento numa escola da periferia, onde não havia nenhuma, o Ministério agarrou em mim, aplicou o princípio da mobilidade e destacou-me para lá, ao abrigo da experiência piloto... Logo no primeiro dia de aulas, entrei no 8º B, estavam todos pendurados em cima dos armários, brincos, bonés e calças de treino baratas. Por um momento... deus me perdoe, ainda senti aquela adrenalina da minha noite de núpcias, quando o meu defunto Óscar se pôs no alto do guarda-vestidos, e se lançou para cima de mim..., que sensação, deus meu, quantos escalões já lá vão... mas não era nada disso: saltaram-me todos em cima e um mulato encostou-me uma faca ao pescoço, e disse-me assim, "és tu a cota de Biologia, não és?...", e eu disse que sim, "então despe-te", e puseram-me toda nua, "tu não és tatuada, nem tens piercings, chavala, mas a gente vai tratar disso..." Desde então, a minha prática lectiva tem sido um tormento: todos os dias me amarram à secretária, e estão-me a tatuar da cabeça aos pés, e... ai, que vergonha, até já tenho dois "piercings" nos bicos do peitos, e já disseram que me vão pôr mais, até ao fim do ano. Que acha que posso fazer, Lola, por amor de deus, ajude-me!...
Maria José de Lacerda Brites, Escola Secundária de XXXXXXX)
Querida Maria José:
Realmente, a vossa classe parece o "Jornal do Crime". Graças a deus que a minha escola sempre foi a esquina, e comecei pelo básico, os "três pratos", mas agora já vou nas pós-graduações, sobretudo em matéria de "fetiches". Olhe, querida, se quer que lhe diga a verdade, não tivesse embarcado nessa coisa das "titulares": titular é o Marquês de Fronteira e Alorna, o Duque de Loulé e o Conde Caria, o resto foi uma cenoura que puseram à frente de umas quantas, que, no fundo, têm lá uma Dona Adozinda escondida, bem no fundo da alma. Quanto às tatuagens, querida, não há galdéria que não tenha hoje em dia uma, e vai que, na falta do seu defunto Óscar, deve passar a imitar as suas alunas, calças dois números abaixo, com a celulite a transbordar da cintura, e a cabeça de uma serpente a sair das cuecas à mostra. Homens não lhe vão faltar, sobretudo se souberem que vão papar uma... titular... Para mais, querida, já que passa os dias amarrada à secretária, nem aulas tem de planificar. Compre antes um Manual de Anatomia, descubra o seu corpo, e passe a escrever nos sumários: dia 2 de Abril tatuaram-me a falange do dedo mindinho esquerdo; dia 3 de Abril, tatuagem do polegar do pé direito, etc... Querida, isso são só facilidades, e quando lhe puserem a tatuagem no esternocleidomastóideu, escreva-me outra vez, pode ser que já venha com a sua vida melhorada, e peço-lhe imensa desculpa, mas tenho agora aqui um cliente para aviar, filha, um homem a sério, como é raro encontrar hoje em dia... Um resto de boas aulas, minha querida.
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