20080403

Módulos do Livro das Maravilhas, ou de como a Pedagogia implícita, do senso-comum, pode levar ao puro extermínio, dos tribunais sumários

Não é por acaso que as coisas são tantas que nos entram por um ouvido e logo saem por outro. Já no "Vicentinas de Braganza" alertei para os abusos de leitura e interpretação do celebérrimo episódio da Adozinda versus Patrícia, Opus Rafael. É mau perder o contacto com a realidade, e, em certas profissões, como a nobre profissão docente, perder o contacto com os jovens.
Como dizia uma amiga minha, o que de mais apaixonante existe no devir humano é esta permanente diferença aparente, de geração para geração, e aquele filho-és-pais-serás, com que, com uma ligeireza mal pensada, muitas vezes condenamos os actos nos quais tivéssemos, outrora, embarcado, em passados, que nos são, mais, ou menos, remotos.
Nada há, em mim, de facilitismo, nem de nacional-porreirismo, mas considero que a maior riqueza das nações são os seus filhos, e um país que trata os seus jovens como uma geração perdida está a condenar-se a si próprio, num tempo breve, a um irremediável cadafalso.
Do ponto de vista da volatibilidade da informação, Dona Adozinda e a sua desvairada Patrícia já passaram à História. A geração viva, para quem tudo isto é uma polémica... ridícula, já transformou a efeméride através da infinita riqueza dos seus novos modos de expressão e intervenção, ao pôr aquilo tudo, na forma de desengonçado ... "rap", como poderão confirmar aqui.
Tenho-me rido até mais não poder, com a súbita, enfim..., despressurização de qualquer coisa que se arriscava a tornar insustentável. Não é por acaso que o rigor dos Ritos de Elêusis igualmente terminava com uma gargalhada, e é com uma gargalhada que deveremos redebruçar-nos sobre a verdadeira problemática desencadeada pelo infeliz vídeo.
Para mim, que não sou da área, a não ser por dom e empréstimo, só me lembrava de Saussure: havia, nesta sociedade em crise, e conflito, uma total discordância, entre significado, significante e referente. Eu explico: por todo o lado, se repetiam, em polifonia, os significantes "aluno", "aula", "professora", "autoridade", "indisciplina", "violência", "desrespeito" e primos de causas afins. Notava-se, e isso era grave, que muitos continuavam a associar a esses significantes significados... obsoletos, por pura ignorância, ou desfasamento, de contacto com os actuais... referentes.
Tenho um defeito no meu carácter: sou incondicional apreciador da Juventude, e respeito-a, enquanto Aurora do Mundo, pelo que lhe reconheço toda a liberdade, polissemia, e polimorfismo que queira adoptar, desde que continue a assegurar o Devir da Criação do Humano. Perante ela, estarei sempre pronto para sacrificar, torcer e retorcer todos os significados, nem que isso exija, da minha parte, um turbulento actualizar dos sentidos. Aliás, essa é a definição do nosso Tempo: um Turbulento actualizar dos sentidos, e, a Juventude, a sua mais espantosa metáfora, por mais que isso custe a todas as Lurdes Rodrigues, Valter Lemos e Adozindas (coitada...) do nosso Mundo.
Quando, por acaso, hoje, me fizeram chegar as palavras -- preferi que me as dessem na forma de imagem, para não publicitar lugares de ódio, mas podem procurá-las no Google", e reencontrá-las nas suas fontes originais. Por pudor, preferi não o fazer, e deixá-las tão-só reproduzidas na imagem acima, tais como as transcrevo aqui: "Por isso a turma do 9º C tem de acabar! (!) Por uma questão de exemplo, os alunos têm de ser dispersos por outras turmas e o 9º C deve ficar com a sala fechada o resto do ano (!), numa admoestação clara de que este género de comportamento chegou ao fim"
Por razões várias, talvez tenha optado por a considerar a pior epígrafe e epitáfio para este tema.
Na verdade, nada disto acabará nunca, e todas estas palavras só me fazem lembrar velhos argumentos para atrozes execuções sumárias. É claro que a Patrícia e o Rafael deveriam ter sido abatidos, logo, ali, e a sangue frio, como os Chineses e os Radicais Islâmicos ainda fazem, com um tiro na nuca, aos opositores do Regime e da Crença. Quanto ao 9º C, mais lentamente, deveria ter sido entregue a uma qualquer câmara de gás, para relembrar que o Holocausto fez escola e deixou discípulos.
É por estas e por outras que devemos proteger os nossos jovens.
Estes discursos não são ingénuos, traduzem emotividades, e podem ser o motor de outros gestos de impiedosa e desproporcionada crueldade. Triste da sociedade que se pronuncia assim sobre os seus próprios filhos. Por detrás destas palavras, houve mãos que as tiveram de escrever. Em hipótese, essas mãos são capazes disso e de muito mais.
Felizmente que os mecanismos de defesa da inserção profissional -- e nisso talvez Lurdes Rodrigues tenha razão, ao exigir uma radiografia prévia, e exame, do perfil de "docente" -- impedem que estes "alguéns" possam, sem filtro, contactar com esta juventude, assim sumariamente estigmatizada e vítima potencial, e passível, de todas as violências futuras.
Deus meu, que mundo tão infeliz, e ser eu obrigado a ter de o vivenciar, nos meus melhores anos.
Pois aconteceu...

4 comentários:

Anónimo disse...

concordo com os pressupostos do texto... mas em desacordo total com a visão edílica da relação adulto-jovem porque a ser assim os jovens jamais poderiam ser conmtestatários e isso sim seria deprimente do ponto de vista social e do próprio desenvolvimento afectivo e cognitivo dos jovens.

António

karadas disse...

Quem quiser ler a reportagem da revista Sábado, sobre a vida da ministra da Educação na Escola, pode fazê-lo em http://ocantinhodaeducacao.blogspot.com

touaki disse...

Moriae:
Já saiu a 4ª parte:
http://reinodamacacada.blogspot.com/2008/04/agenda-oculta-da-educao-parte-iv-o.html#links

Anónimo disse...

Gostei da reflexão...a mudança é incontornavel mesmo que fechem o 9ºC.
Apenas se cura o exterior....o interior continua a germinar e a resultar num devir diferente deste anquilosado tempo.
Muito Bem