20080612

Ainda que o amor seja mudo

O Teu Percurso AMMedeiros

Herói


Hoje vim aqui partilhar. E também falar-te de outra maneira. Escrever o que me atrevo apenas a dizer-te com as lágrimas contidas no olhar. Com as mãos quando te tocam quase sem te tocar para que sintas que estou ali e que te protejo sempre, meu Herói.
Ultrapassaste um internamento, uma infecção, as defesas na debilidade quase absoluta. Deixaste que um novo tubo entrasse numas das tuas veias. Deixaste comigo a teu lado, enquanto olhava no fundo do teus olhos profundos, enquanto perscrutavas nos meus a serenidade e a confiança que és tu que emanas sem te dar conta…
Aguentaste a crueldade de alguém. Há sempre um dito “profissional de saúde” disposto a agredir a dignidade de um qualquer doente, seja ou não um doente oncológico. Não importa. Tu é que és um menino de grande coragem e sabedoria.
Agora voltaste. Estás comigo. Vives cada momento. E vejo-te feliz sorver o tempo em actividades com os teus melhores amigos. Transbordas alegria em cada palavra. Enches a casa com a tua presença, o som da tua voz, as tuas expressões… Quase me parece uma miragem, que após 3 meses te possa sentir a viver alguns dias que têm o aroma dos dias em que a Leucemia não estava presente e nem suspeita dela pairava no espectro dos meus mais secretos medos.
Surpreendes-te quiçá, ou talvez não, que consiga presenciar todo o tipo de intervenções até mesmo as mais invasivas… Sabes, Herói? O que dói mais fundo é, por vezes, o que os meus olhos não vêem, mas sentem. O que dói mais fundo é a vida que te vejo precária, são os 16 anos que agora vives assim e, apesar de tudo com tanta determinação e uma vontade férrea de vencer e viver. Dói-me quando te observo e sob os teus olhos esteja aquela cor na pele tão escura, aquelas olheiras que não tinhas, que o teu rosto tenha uma lividez assustadora, que o teu corpo tenha mudado tanto e pressinta um sofrimento maior na integração da tua imagem, dói-me ver-te caminhar com aqueles passos descoordenados de velhinho que já tantos obstáculos viveu e caminhou… Dói-me quando te vejo ter dores e não suporto a tua dor e a minha, dói-me ver-te tremer de febre e não ser eu a suportar os teus tremores, dói-me quando baixas os estores da janela do quarto da vida e desligas a comunicação com todos porque estás débil…
Sabes, Herói? O que mais me dói é que possa existir um algo, seja o que for, esta entidade abstracta, que possa ser mais poderosa que a força de uma mãe. Mas existe. Não nos venceu, nem vai vencer, são os três anos de tratamento que me doem, sim doem muito, mas nós vamos ganhar. Tu vais ganhar mais vida, meu Herói.
O teu percurso pode ser difícil, mas tu és excepcional. Os Heróis vencem os maus, nunca se cansam. O teu percurso será sempre extraordinário e preenchido pelas cores da vida.


Adoro-te.

AMMedeiros

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Outros posts da autora:
O seu outro blogue: Colóquios e Solilóquios do Ser

1 comentário:

Anónimo disse...

Não conheço essa dor! (ainda bem, diremos todos!!, nem Vos conheço...(lamento, digo eu!) mas, ao ler estas palavras valorosas de uma Mãe para o seu Herói, não posso deixar de me solidarizar, não na dor, porque essa não sei a sua dimensão, mas na coragem e na ardente paixão pela Vida!
A nossa viagem não teria significado algum sem Amor! Bem hajam e continuem a acreditar na Vossa causa!
De um pai.