"(...) Estive a ver um exame de matemática e, pronto não posso dizer que era muito difícil, tenho até que reconhecer que tem coisas que até o meu filho que anda no 4º ano sabia responder, mas acredito que foi mais difícil que alguns exames de alguns Engenheiros que andam por aí." (Kaos, A Estatística dos exames)
20080625
´O saber não lhes faz falta para o destino que lhes está destinado' (Kaos)
Palavras-chave
A Sinistra Ministra,
estatísticas,
exames,
We Have Kaos in the Garden
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Seria interessante deixar os chavões e a boçalidade e passar a aprender:
"In Pensamento do Meio-Dia"
O discurso do "facilitismo", ou o ataque ideológico à escola pública
O ataque aos sistemas públicos de saúde e educação tendencialmente universais e gratuitos (sim, eles são pagos, mas suportados diferencialmente por quem mais rendimentos aufere, logo, são serviços que resultam da redistribuição) é o primeiro passo no caminho para criar na opinião pública a ideia da necessidade do seu desmantelamento e da sua privatização.
Nos últimos tempos, temos assistido a uma campanha contra o serviço público de educação por parte de muitos meios de comunicação e comentadores sem o conhecimento mínimo da realidade sobre a qual discursam. O discurso do "facilitismo" do ensino público é uma estratégia óbvia para retirar a confiança das classes médias no sector, e dar a ideia que só o privado é que é de qualidade.
O 'facilitismo' tem sido avançado como problemático na matemática. Eu já tinha feito este exercício há vários meses, mas dado o calor - e a demagogia - da discussão actual, vale a pena recordar os dados do PISA 2006, que permite avaliar o nível de literacia matemática dos alunos portugueses num contexto internacional (quadro retirado deste relatório).
Vale a pena olhar com atenção. O nosso resultado global, é verdade, é fraco: 466 (linha verde), comparado com a média estandardizada de 500 (linha vermelha) para os 57 países que participaram no estudo. Mas olhemos uma segunda vez, tendo em conta este dado: o PISA é aplicado a estudantes de 15 anos independentemente do ano de escolaridade que frequentam (15 anos é a idade escolhida por ser a que corresponde na maioria dos países ao final da escolaridade obrigatória). Portugal é o único país da Europa com tantos alunos inscritos em tão diferentes anos de escolaridade (ver as várias 'bolas'), ou seja, com tantos alunos em atraso, resultado das sucessivas retenções de que foram alvo.
Os alunos que, com 15 anos, estão no ano de escolaridade 'certo' (ano modal) - que em Portugal é o 10.º ano - têm, afinal, um bom (para não me exceder nos adjectivos) resultado: 520. Este resultado seria impossível se o ensino da matemática estivesse a ser assaltado por um qualquer 'nivelamento por baixo'. Assim, o real problema é a diferença entre o aluno médio do ano modal e o aluno médio: comparado com outros alunos, Portugal tem uma percentagem excessiva de alunos fracos ou muito fracos, para os quais o sistema não encontra resposta (a diferença entre o aluno modal e o aluno médio é de 54 pontos(!) - isto é, 520 menos 466 -, sem comparação com o que sucede com qualquer outro país). São estes os alunos nos quais temos que pensar, seja a nossa preocupação a equidade ou a eficácia, e são eles que, tendo ficado para trás - é duvidoso que um aluno no 7.º ou no 8.º ano perceba sequer muitas das perguntas que lhe são colocadas no teste do PISA, por isso não são de espantar os resultados medíocres obtidos - exigem soluções pedagógicas extraordinárias.
Isto não significa dizer que não existe qualquer problema no desempenho dos alunos portugueses a matemática. Existe. Mas o problema não é o 'nivelamento por baixo'. O resultado médio do nosso 'aluno modal', ou seja, que não perdeu nenhum ano no seu percurso escolar, é um bom resultado (520). O verdadeiro problema é antes a dualização entre os alunos que estão onde deviam estar e os "outros", para os quais não houve nenhuma estratégia alternativa senão, claro está, retê-los. Retê-los uma, duas, três vezes. Os alunos que estão no 7.º e no 8.º ano de escolaridade, ou seja, que foram retidos 3 e 2 vezes são, respectivamente, 6,6% e 13,1% da amostra do PISA (que é uma amostra aleatória estratificada do nosso sistema), o que perfaz 19,7% de alunos muito atrasados (isto é, 1 em cada 5). Nenhum outro país europeu se aproxima deste valor (o mais próximo, quase residual, é de 7,1% em Espanha).
O nosso problema, repito, não é ausência de alunos de boa qualidade. Nem é sequer o facto do nosso sistema não ser selectivo. É, antes, muito selectivo - no sentido em que separa os alunos, deixando uma grande fatia deles para trás.
O nosso problema está, para usar a esclarecedora expressão usada pelo representante da persecutória Sociedade Portuguesa de Matemática ontem num programa da SICNotícias, os alunos "mais fraquinhos" (expressão seguida de risadas adolescentes - que serviram de inequívoco marcador ideológico). O problema é sempre este: enquanto estivermos obcecados com a produção de uma 'minoria de excelência' e não procurarmos estratégias centradas na resolução dos problemas dos alunos "fraquinhos", eles vão continuar sempre a existir (por desatenção político-pedagógica cristalizada nas práticas, e não por qualquer 'efeito da natureza'). E a retenção, enquanto estratégia pedagógica, nada pode contra este problema*.
*Esta não é uma opinião caída do céu. Só para dar um pequeníssimo exemplo, em 2001, num artigo que recenseava os estudos feitos sobre os efeitos pedagógicos da prática da retenção ao longo do tempo em diferentes sistemas de ensino, concluía que «over 50 years of educational research has failed to support any form of grade retention as an effective intervention for low achievement», in Dalton, M., P. Ferguson and S. Jimerson (2001), “Sorting out of Successful Failures: Exploratory Analyses of Factors Associated with Academic and Behavioural Outcomes of Retained Students”, Psychology in the Schools, Vol. 38(4).
Adenda: este post suscitou uma discussão interessante aqui.
Obrigada pela visita e pelo texto! Tem realmente pontos interessantes :)
Obrigada,
M.
Enviar um comentário