20080912

CRÓNICA DE SANTANA CASTILLO

«Boçal
Este é o termo mais generoso que me ocorre para qualificar o comentário público que o desemprego dos professores mereceu ao primeiro-ministro. Só um inculto, um insensível, um despojado de humanidade pode ser tão rudemente primário, tão desrespeitador do drama alheio. Arrumemos porém, em sede de crónica, este ângulo de abordagem, que nenhuma nova oportunidade pode remediar: o homem não consegue ir além do chinelo que lhe calça a alma.
Fixemo-nos no utilitarismo em que se julga mestre, para lhe dizer que a politica seguida pode ser bem mais dispendiosa que o salário dos que tem lançado no desemprego. Eis as premissas do raciocínio:
1. Disse a ministra da Educação (conferência internacional sobre o ensino da Matemática, Lisboa, Maio de 2008) que cada aluno que reprova significa uma perda anual para o Estado de 3.000 euros. Se tomarmos por referência os 170.000 reprovados em 2006/2007, chegamos a 510 milhões de euros. Se tomarmos por referência o que o Estado pagou a escolas privadas em locais onde, supostamente, o ensino público não chega, a cifra sobe para 629 milhões.
A OCDE (relatório "No More Failures: Ten Steps in Education") faz outras contas e vai mais além: atribui ao que chama "custo económico global" um valor de 20.000 dólares anuais por cada aluno que reprova. Traduzido em euros e vertido para a situação portuguesa, estaremos a falar de qualquer coisa como uns astronómicos 2.380 milhões.
2. Tomemos agora por referência um salário médio anual bruto de 21.000 euros por professor. Os 40.000 desempregados pagariam em descontos obrigatórios cerca de 20 milhões de euros. Termos em que o custo liquido para o Estado seria de 840 milhões.
3. Todos estamos de acordo em que reprovar os alunos não é solução. Mas é solução bem menor aprová-los sem saberem. A solução é intervir de forma a que no fim de cada ano todos saibam o que é suposto aprender. Tarefa grande, complexa, sujeita a múltiplas variáveis. Todas juntas, desembocam naquilo a que o responsável pelo PISA chama "reforço na escola". Assim tem feito a Finlândia, dos encantos de Sócrates. O mesmo diz a OCDE (desagrada-me a subserviência nacional à OCDE e discordo de boa parte das soluções que debita; mas se tanto encanta o "politicamente correcto", não escondam o que, de quando em quando, de lá resulta "politicamente incorrecto").
4. Certamente que o "reforço na escola" (aos alunos em risco de reprovarem, obviamente) não passa só por mais assistência de professores. Passa por radicais alterações de programas e de planos de estudo, de materiais e de metodologias, de modelos de gestão e de financiamento. Mas tudo isso e o resto que extravasa os 2500 caracteres desta crónica, requer mais professores. Serão 40.000? Não sei. Mas serão mais, muitos mais. Só loucos pensam que é possível puxar para cima o sistema de ensino mais deficitário da Europa, a sociedade menos instruída da Europa, reduzindo drasticamente o número de professores e tratando como bestas de carga os que resistem. Só loucos continuam a financiar as instituições de formação (20.000 euros por cabeça, em números redondos) para jogar o produto, cinco anos mais tarde, no "call center" de Santo Tirso.»
Retirada DAQUI

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