20081015

Algumas flexões litúrgicas sobre a dissolução do Privado e a irreversível contaminação do Espaço Público

Vou aproveitar para dedicar este texto à Moriae, que se revelou uma boa amazona, e em tempo útil...
Hoje, pelo segundo dia consecutivo, estou bem humorado. As palmadonas nas costas entre Bush e a canalha europeia só vieram dar razão a quem achou que a "Crise" Financeira foi uma espécie de 11 de Setembro, para que obrigasse os Estados e os dinheiros sacados aos contribuintes a virem em apoio a uma COISA que, enquanto estava no bem-bom, não nos beneficiou em nada, bem pelo contrário, mas que, quando deu para o torto, imediatamente nos caiu em cima.
Malhas que o Império tece, a Especulação jaz viva e apodrece.
O que hoje me traz a estas ilustres casas é um tema que não poderei tratar, por questões de respeito, pelo nome próprio, mas abordarei como Parábola.
A Educação é um centro do Mundo, e é lugar comum situá-la na Família. Quando a Família não existe ou não presta, imediatamente sobra para a Escola, mas isto é velho como quando Hannah Arendt o disse.
A Noosfera, espaço relativamente novo, onde, como Blogues de Referência, estamos a fazer História e a erigir o Consuetudinário (que bem que eu estou a falar hoje, não estou?...) começa a padecer, como seria de prever, de males importados da Atmosfera.
Para mim, que sou profundo apreciador de animais, e não tanto da Espécie Humana, sei como a Irracionalidade, esse nome estigmatizador que damos àqueles afectos que, aparentemente, pouco raciocinam, mas são os primeiros a anichar-se no carinho do nosso colo, pesa na organização dos espaços. O animal é territorial, no sentido em que define, numa analogia de Epicteto, aquilo que lhe é afável daquilo que lhe é hostil. Afora isso, e subitamente deslocalizado, entra numa sequência de reacções confusas, e tem reacções imprevistas.
Nós, humanos, frios, calculistas, vigaristas, insensíveis, homens depredadores do Homem, como Hume dizia, durante os Anos Frios da Decência, soubémos separar a esfera do Íntimo, da esfera do Doméstico, da Esfera do Local e da esfera do Público, e isso era, por estranho que hoje nos soe, um dos efeitos colaterais da... Educação.
Com as as telenovelas, o decair dos padrões de formação, o aviltamento das famílias e das escolas, e o advento das tecnlogias... ah, sim, vou fazer aqui uma pausa, e ir já em contra-mão, para seguir o meu raciocínio... Tomemos, como exemplo, o telemóvel. O telemóvel, que, no espírito e intenção dos seus criadores, deveria ser uma mais valia para o Processo Civilizacional, mercê do "deficit" de Educação, rapidamente se tornou numa perigosa arma de expressão da promiscuidade, misturando -- ai, como isto agradaria à Tragédia Grega, a unidade do Tempo, do Espaço e da Acção!... -- o Íntimo com o Doméstico, acrescido do Local e do Público. Eu explico: em cada esquina, em cada balcão, em cada fila, em cada transporte colectivo, quantos de nós não fomos já obrigados a suportar fragmentos de episódios de Epopeias do Reles, de solilóquios ensaiados em tom de diálogo, de falsos discursos de prosperidade, meramente com vista a oprimir o ouvinte do lado, ou de vidas felizes, em carruagens onde toda a gente segue cabisbaixa com a Depressão, e o vocalizador se está positivamente nas tintas para o estado emocional do parceiro.
A juntar à categoria dos fumadores passivos, deveríamos, assim, acrescentar uma categoria dos... sei lá... dos "telemobilizados" passivos, aqueles que, julgando poder estar entregues ao seu silêncio, são permanentemente forçados a participar em vidas, geralmente desinteressantes, porque, como toda a gente sabe, das vidas e dos países felizes a História não reza nem ecoa.
Não, não me perdi: tudo isto tem um nome, que é Educação, e um anti-nome que é Promiscuidade, ou falta de Formação.
A Blogosfera, com as suas estranhas metamorfoses, que nós, como numa nova Ilíada, estamos a inaugurar, sofre de sequelas analógicas das do Telemóvel. Numa definição algo obsoleta, poderíamos associar um Blogue a um espaço diário, e íntimo, de confissões do Interior. Sobra a falácia de que, ao começar a ser muito lido, ele passe, abruptamente, do Doméstico e do Íntimo, para o Público e o Divulgado.
Eu sei que isto é mau de ser dito, mas tem de ser dito: pelos nossos pecados privados zela a Consciência, quando a temos. No momento em que nos "expomos", passamos a integrar a velha axiologia dos julgamentos morais, e, pelo nosso comportamento, criamos um embrião de Ética.
Personalizando, quando me sento a este teclado, já não o faço com a inocência com que o fazia há meia dúzia de anos: hoje, amanhã, depois de amanhã, milhares de leitores, que desconheço, e com os quais, provavelmemte nunca terei mais nenhum contacto, para além das minhas palavras, esperam, de mim, de nós, dos sérios, uma sequência de discursos, que, diariamente, vão salvando o Mundo do seu naufrágio. Uns fazem-no, como Marco Aurélio, pela via dos pensamentos exemplares, outros, pela publicidade de situações de prejuízo do Eu Social, outros mobilizam multidões, outros, como eu, satirizam, e reflectem em profundidade, outros comovem e convencem, mas, numa leitura optimista, todos nós, nos encontramos, sempre, na salvaguarda da esperança de um amanhã melhor.
Não queria alongar-me muito.
É evidente que este texto é uma sequela para-teórica do que tem sucedido por alguns blogues e respectivas caixas de comentários: algumas pessoas, numa promiscuidade entre o Íntimo, o Doméstico, o Local e o Público, pensam que a Blogofera, que, pessoalmente, entendo como um espaço onde, rapida e quase gratuitamente, podemos revelar a nobreza do Íntimo, num maravilhoso espaço que é, claramente, Público, pode converter-se num novo terreiro de desavenças e transposições dos pequenos horrores que já conhecemos do Real.
Posso dizer que não contem comigo para isso, pois detesto-o, tanto como detesto estar a fumar o cigarro do parceiro do lado, ou a ouvir a vida reles de quem nem vida tem, mas insiste em repeti-la, em altos berros.
Não poderemos permitir que, por ausência de educação, haja gente a trazer para terrenos de exposição pública as suas miseráveis questiúnculas pessoais, que usem os blogues como lugar de opressão dos fracos, como espaço de engate, como sítio onde se apropriam da identidade de outrém para semear boatos e sordidez anónima, para publicar flechas cuja obscenidade nos envergonha, ou, pura e simplesmente, para exercerem os seus pequenos poderes censores, como o fizeram, por toda a parte, e ao logo de toda a sua vida.
Vou terminar, como comecei: não sei o que é um Blogue, e adoro os meus animais, mas sei que, se for preciso, se engalfinharão, quer no pátio de casa, quer à porta de um banco, quer no interior de uma Igreja: para eles, o espaço é espaço, e não há hierarquizações simbólicas, para além das fronteiras da sua pequena terrotorialidade. Uma das nossas missões -- mais uma... -- será a de impedir que o Privado se confunda com a visibilidade do Público. Poderei não saber o que é um Blogue, mas saberei, com certeza, as invisíveis fronteiras do seu Ético. Tudo o resto fica entregue a animais, dos piores, os racionais, os que não têm territorialidade, onde qualquer lugar serve para expor a sua degradação interior, onde cada caixa de comentário é um lugar da decadência humana, esses mesmos, para quem as novas tecnologias são os piores pretextos para exporem a sua insuportável Abominação.
Estamos, para tornar mais clara a imagem, a falar de infra-humanos.
Julgo não vos chocar, dizendo que nunca nos serão de boa companhia...

(Pentágono homérico, no "Arrebenta-SOL", no "A Sinistra Ministra", no "Democracia em Portugal", no "KLANDESTINO", e em "The Braganza Mothers")

1 comentário:

Anónimo disse...

Estás a falar lindamente, como é hábito!
Obrigada meu amigo