20080328

Por uma imagem se perde, por uma imagem...

Durante muitos anos a imagem do mestre-escola foi reverenciada na sociedade portuguesa embora, nessa época, a escola fosse só para alguns. Estávamos perante uma escola elitista e urbana. Estávamos na época em que se aprendia a ler na Bíblia ou nos jornais, na época dos autodidactas. A alfabetização, foi um processo penoso feito de idealismos e de fatalismos, que conduziu a uma escolarização precária da população portuguesa. Para muitas crianças nos meios rurais, a escola funcionava ora, como um escape ao duro trabalho dos campos ora, como uma penosa obrigação (para crianças e famílias) que tinha de ser cumprida até se saber assinar…A disciplina era rígida, não havia falta de réguas e de palmatórias herdadas dos tempos em que os professores eram os severos jesuítas e outros clérigos. Dessa escola ficou-nos a imagem do autoritário professor que a democratização da escola e as teorias do eduquês (para citar JPP) haveriam de repudiar. Dessa escola autoritária ficou a rejeição da figura professor e uma certa incomodidade que ainda hoje sente perante este grupo profissional amado por uns, e olhado com desconfiança por outros.

Uma parte da sociedade portuguesa identifica-se com o estilo, o comportamento e a atitude de Maria de Lurdes Rodrigues relativamente à classe profissional dos professores. O corporativismo, os privilégios, as férias, os sindicalistas, as faltas… todo um discurso montado para agradar à população que se sente de algum modo excluída dos apregoados “privilégios” e que está disposta a aceitar acefalamente um discurso onde as palavras rigor e determinação têm lugar garantido. A forma severa como se dirige aos professores, acusando-os de estarem mal informados ou dos males do sistema, fará certamente as delícias de alguns antigos alunos que por uma razão ou por outra se sentiram maltratados pela escola. Trata-se de uma estratégia de sedução de uma parte não desprezável do eleitorado que ainda olha a escola como “um mundo à parte” um mundo a que não pertence. Evidentemente, que esta estratégia tem os seus custos. Desde logo o não envolvimento dos professores nas políticas educativas e a rejeição destas – como se viu na manifestação de 8 de Março.A Sócrates, resta um dilema: segurar Maria de Lurdes Rodrigues e arriscar-se a perder os professores e a classe média mantendo a postura (aparentemente) inflexível que o tem caracterizado ou, deixá-la cair, evitando perder a face (como está a fazer na área da saúde com uma ministra mais dialogante e gozando do “estado de graça”). A Sócrates e ao PS, a imagem de uma ministra da Educação sombria e, crescentemente, crispada não ajudam. As polémicas, as manifestações têm provocado um inegável desgaste na 5 de Outubro. Sócrates, tem dado sinais claros de que quer entrar em campanha, já: humaniza a sua imagem; cuida das suas aparições públicas de forma a evitar imprevistos; decreta o fim da “crise” e, procurará certamente mostrar-se mais aberto ao diálogo. Por isso, o destino de Maria de Lurdes Rodrigues será traçado nas sondagens e na contagem dos comentadores que ainda lhe sejam favoráveis.

Para já adivinha-se um período complicado para a Educação. Resta saber se os professores saberão desmontar o discurso do M.E. e, se conseguirão transmitir para a sociedade o (vasto) leque de preocupações que os leva a oporem-se à política educativa deste governo, não só as relativas à muito badalada avaliação mas, sobretudo, porques as iniciativas legislativas do governo irão, certamente, prejudicar os alunos pois, trata-se de uma política economicista cujo objectivo principal é alterar a posição de Portugal nas estatísticas internacionais (sem resolver os problemas de fundo).

3 comentários:

Anónimo disse...

Férias ... 20 e tal dias a contar da última semana de Julho e Agosto. Sempre abominei essa parte. Detesto as multidões de Agosto e para sair de Portugal, há países que não se pode visitar nessa altura ...

Sorte tem o meu irmão, funcionário público, que tira férias qdo quer. E quem lhes disse que não preferiamos férias repartidas?

Ideias retrógradas mas ainda persistentes. Privilégios, acho que já perceberam que não temos ...

Abraço,
M.

hkt disse...

Não se trata das férias repartidas. Já reparou que os professores só têm férias na época alta? E que mesmo as "interrupções lectivas" correspondem à época alta? Sabe que já estive destacada numoutro serviço mas mesmo aí porque era "professora" só podia marcar férias depois de 15 de Julho (mesmo com prejuízo do serviço)? Não interessa, mesmo isso é percebido como um privilégio. Também temos outros de que ninguém fala: comprar canetas, papel e outros materiais para uso próprio e dos alunos; viagens diárias/semanais de dezenas/ centenas de quilómtros sem ajudas de custo; a enorme instabilidade profissional (caso dos contratados) ... a lista não acabaria.
A ideia do professor como grupo privilegiado é um facto. Não é fácil explicar às pessoas que sempre tenho trabalho de casa... às mesmas pessoas que saem do emprego e só voltam a pensar em trabalho no dia seguinte...mas os professores levam as fichas e os problemas dos alunos... a dor de dentes, os óculos que não podem comprar, o familiar doente, a decisão do tribunal que...

Anónimo disse...

É isso tudo, cara HKT.
Continuaremos, dando o nosso melhor que, é muito bom. E esta frase não é generalizável a todos os professores e a todas as pessoas.
Abraço solidário,
M.