"Os escritores devem escrever. Qualquer pessoa tem a obrigação de pensar e o direito de expressar-se. Claro que isto não acontece num país de analfabetos, onde não se tem interesse em que o povo pense: um povo informado escolheria outros líderes, não ficaria calado quando pisam a sua honra, expulsaria dos seus cargos os pseudo-líderes e tentaria recompor as instituições aviltadas. Mas nós não fazemos nada disso: parecemos analfabetos e apáticos, uma manada de tolos assistindo às loucuras que se cometem contra nós, contra cada um de nós.
E eu, que desde criança fui ensinada que cabeça não foi feita só para separar as orelhas, mas para pensar, questionar – e também para ser feliz –, neste momento, não sei o que pensar. Muito menos o que responder quando me perguntam interminavelmente o que é que eu acho, como me sinto.
Estou a ficar pessimista. Não na minha vida pessoal, mas em relação ao país. Ou melhor: aos seus governantes, autoridades, homens públicos, políticos. Mal consigo acreditar no que se passa. A cada dia um espanto, a cada dia uma decepção, a cada dia um desânimo e uma indignação.
Este é o país dos tolos, que pagam impostos altíssimos e quase nada recebem em troca; o país dos tolos, que não distinguem um homem honrado dum patife, uma acção para o bem geral, de uma manobra para encher os bolsos ou galgar mais um degrauzinho no poder a qualquer custo; o país dos mistérios, onde quem é responsável absoluto não sabe de nada, ou finge ver outra realidade, que não a nossa. Hoje, somos o país dos sem-vergonha. A falta de pudor e o cinismo imperam. Entre os políticos, (com cargos ou não) impera um corporativismo repulsivo – ou temos todos rabinhos de palha? Nós, povo que se deixa enganar tão facilmente, que pouco se informa e questiona, vamo-nos tornando da mesma laia? Seremos também, concreta ou moralmente, vendidos? Quando eu era uma menina de escola, às vezes os rapazes insultavam-se a gritar “vendido!”, não me lembro bem por quê. Deviam ser questões desportivas. Um ponto não marcado, um golo roubado. Era um grave insulto. Hoje, parece que ninguém liga aos insultos, leves ou pesados – nada pega, tudo é água em penas de pato, escorre e acabou-se. Um povo “antiaderente”. Vemos líderes que se vendem em troca de comodidades, cargos, poderes, dinheiro, impunidade, preservação de algum sórdido segredo, ou simplesmente a covardia protegida. Quem nos deve representar foi pelo ralo abaixo. Quem nos deve orientar transformou-se em marioneta. Quem nos deve servir de modelo chafurda na lama. E nós, povo, arrastamo-nos na tristeza. Reagimos? Como reagimos? Pintamos a cara e saímos às ruas aos milhares, aos milhões? Paramos o país, pacificamente que seja? Tentamos mudar a máquina apodrecida? Não! Aqui e ali um tímido protesto, nada mais.
Surgem deputados que votam às escondidas porque não têm honra suficiente para enfrentar quem os elegeu; os deputados pouco confiáveis e duvidosos ministros, de onde surgiram? De nós! Nós é que os pusemos lá, nós votámos, nós permitimos que lá estejam e continuem – nós, através das mãos dos ditos representantes, instituímos a vergonha nacional que em muitas décadas será lembrada como um tempo de opróbrio.
Com pressentimentos nada bons, faço (embora sem grande esperança) um pedido: tolerância zero com tudo o que nos desmoraliza e humilha, perseguição implacável ao cinismo, mudança total nas futuras eleições, limpeza na assembleia, e câmaras, renovação positiva do país. Tomada de consciência urgente, pois, acreditem, da maneira que vai …vai piorar." (VM)
20090504
' ... acreditem, da maneira que vai …vai piorar'
Imagem em : www.f1bolao.com.br/
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